02 agosto 2013

O desintelectual português



O desintelectual português fala de tudo.

Fala de graffitis num "país de selvagens". Mesmo quando desmentido pela realidade.

O desintelectual português apresenta resultados de alegados e "bem documentados" estudos mas não cita fontes nem datas ("vandalismo nas áreas circundantes aos espaços criados especificamente para graffiti aumentou em 300%" vs "graffiti in the surrounding areas of these walls increases up to 300%").

Só apresenta as fontes que estão mais próximas do seu ponto de vista ("o custo de remoção de graffiti está bem documentado, e de acordo com os dados de um outro estudo realizado nos Estados Unidos da América, também no estado da Califórnia, este foi de cerca de 28 milhões de dólares em 2006"). Pormenor de reduzida importância - a que se refere aquele custo?!?... -, nem sequer sabe citar: "A 2006 survey of the 88 cities, Caltrans and Metro in Los Angeles County on graffiti removal found the cost was about $28 million".

O desintelectual português refere sempre "boas práticas internacionais" (para sustentar que o país onde vive é demasiado pequeno para ele e para as suas concepções?), sem nunca demonstrar quais são essas boas práticas.

O desintelectual português com currículo para isso fala de tudo, dos graffitis às manifestações ao triunfo do big brother da videovigilância.

Neste último caso e antes de apresentar ideias, o desintelectual português ataca o "conjunto não negligenciável de pessoas que - de uma forma explícita ou mais velada - têm procurado contrariar em Portugal a implementação - séria - de um programa nacional de videovigilância. São as mesmos que, normalmente, tentam invocar as liberdades e as garantias dos cidadãos mas que esquecem (de propósito ou de um modo inconsciente) as enormes vantagens de um registo filmado da ocorrência de um crime".

O desintelectual português afirma que "o big brother venceu (...) porque provou, nos últimos meses, a sua verdadeira utilidade. Para os paladinos de uma suposta defesa da privacidade, a resolução da investigação aos atentados de Boston, nos Estados Unidos da América, e ao recente e trágico acidente ferroviário, em Espanha, são uma derrota definitiva".

E com estes dois exemplos se sustenta a vitória do big brother videovigilantista! Esquecendo estudos que provam o contrário (um exemplo: Do police cameras reduce crime?)...

Ora o desintelectual português não pode desconhecer que o caso de Espanha não interfere com as liberdade cívicas: a videocâmara aponta para a linha ferroviária, não para a casa das pessoas ou para uma esplanada na rua.

Quanto a Boston (e deixando de lado que as videocâmaras não antecipam crimes, nem o FBI o consegue fazer), esquece-se que se as imagens iniciais foram registadas por videocâmaras mas a prisão do segundo fugitivo ocorreu num pátio, dentro de um barco, revelado às autoridades por um morador.

Mais, o que esta videovigilância generalizada (também nas mãos dos cidadãos) permitiu descobrir em Boston é que a polícia abusou dos legítimos direitos dos cidadãos, ao entrar dentro das suas casas sem mandato judicial. E o que esta videovigilância mais anda a demonstrar desde o caso Rodney King, em 1992, é o abuso policial. O big brother pode ter triunfado mas não foi às mãos das autoridades.

Mas isto pouco interessa porque o desintelectual português gosta de elogiar o poder, não de o estudar. Em 2012, dizia: "Em Portugal, parece-me que os contratos locais de segurança, muito dinamizados pelo anterior ministro da Administração Interna Rui Pereira". Este ano, evolui para "mau grado os esforços (muito bem-vindos) dos dois últimos ministros da Administração Interna, Rui Pereira e Miguel Macedo".

Este é apenas um exemplo do desintelectual português que, em geral, devia ser estudado. Mas por quem?

(imagem de Coronelismo Intelectual)