24 fevereiro 2009

Nada de novo, realmente (ou coisas que não é bom recordar)

A coisa já foi dita com piada em "A crise está em crise" (aqui ou sem problemas aqui): "Ao que parece, 2009 vai ser mesmo complicado. O problema é que 2008 já foi bastante difícil. E, no final de 2006, o empresário Pedro Ferraz da Costa avisava no Diário de Notícias que 2007 não iria ser fácil. O que, evidentemente, se verificou, e nem era assim tão difícil de prever tendo em conta que, em 2006, analistas já detectavam que o País estava em crise.

Em Setembro de 2005, Marques Mendes, então presidente do PSD, desafiou o primeiro-ministro para ir ao Parlamento debater a crise económica. Nada disto era surpreendente na medida em que, de acordo com o Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal, entre 2004 e 2005, o nível de endividamento das famílias portuguesas aumentou de 78% para 84,2% do PIB. O grande problema de 2004 era um prolongamento da grave crise de 2003, ano em que a economia portuguesa regrediu 0,8% e a ministra das Finanças não teve outro remédio senão voltar a pedir contenção.

Pior que 2003, só talvez 2002, que nos deixou, como herança, o maior défice orçamental da Europa, provavelmente em consequência da crise de 2001, na sequência dos ataques terroristas aos Estados Unidos. No entanto, segundo o professor Abel M. Mateus, a economia portuguesa já se encontrava em crise antes do 11 de Setembro."

Eis algumas notícias desses anos que mostram como pouco mudou:

2 de Fevereiro de 2000: "Portugal é segundo país da União Europeia (EU) mais mal preparado para o século XXI, tendo apenas atrás de si a Grécia, concluiu um estudo divulgado na 30ª reunião anual do World Economic Forum".
"A pior classificação de Portugal (15º posto e último) foi no critério da sustentabilidade do desenvolvimento, indicador que tem em conta, entre outros factores, a taxa de crescimento dos últimos oito anos, o défice público e o lixo industrial produzido. A melhor classificação que o país conseguiu (5º lugar) foi na segurança, sub-índice que considera dados como o número de prisioneiros por 100 mil habitantes, os homicídios, ou o impacte do crime organizado nos negócios". (Público)

27 de Janeiro de 2001: "as previsões macroeconómicas do Banco de Portugal, e sobretudo as declarações de Vítor Constâncio sobre os aumentos da Função Pública, provocaram uma verdadeira onda de choque na sociedade portuguesa" porque "vêm confirmar que Portugal vai perder competitividade e crescer menos que a média europeia".
Para os Trabalhadores Sociais Democratas, era "inaceitável" o BP fazer "uma previsão de inflação que pode chegar aos 3,3 %, e depois aponte aumentos salariais claramente abaixo dos 3 %, o que significa perda do poder de compra dos salários". (Diário de Notícias)

3 de Março de 2001: "o número de falências em Portugal disparou em 2000, atingindo 710 empresas, o que se traduziu num aumento de 25% face a 1999, ano em que as falências aumentaram 9,9% relativamente ao ano transacto".
"Incólumes à vaga de falências por um período de tempo dilatado - entre 1996 e 2000 - estão os sectores da banca e empresas do Estado, logo seguidos das seguradoras". (Expresso)

21 de Março de 2001: "Portugal é o país da União Europeia (UE) com maior número de pobres. Segundo o Eurostat, cerca de 22 por cento dos portugueses têm "poucas posses", seguidos pelos gregos, com 21 por cento". (Público)

24 de Março de 2001: corrupção "a aumentar em Portugal, sobretudo em sectores como o do desporto, autarquias e sistema político. Mais de 79% dos portugueses [inquiridos] acreditam que o nível de corrupção tem vindo a crescer «drasticamente» nos últimos anos, enquanto 80,5% consideram que a corrupção é «generalizada» em Portugal". (inquérito realizado pela Transparência Internacional no Expresso, Diário Económico e Anglo Portuguese News)

6 de Abril de 2001: "Quem avisa, amigo é", dizia António Borges sobre a "fase de estremecimento dos mercados financeiros internacionais e das sérias dificuldades que se reconhecem na nova administração do presidente norte-americano, George W. Bush", com "uma combinação que poderia sugerir o prenúncio de uma nova crise da economia mundial".
Borges lembrava que a Nova Economia, "uma verdadeira revolução", "é uma economia de tomada e aceitação de risco, que exige uma compensação igualmente acima do normal".
E especificava: "Há excessos, mas não teria sido possível todo o progresso sem esta vaga de inovação" sendo "uma economia da instabilidade semelhante à do fim do século XIX, um tempo dado a bolhas nos mercados e falências espectaculares".
Quanto às críticas "pela cultura do enriquecimento fácil e da ganância", entendia ser "uma leitura redutora que não contempla “o gosto pela aventura, o entusiasmo e a ambição de fazer algo de novo”".
A "antítese" dessa Nova Economia "seria um Estado monopolista, sem confiança na sociedade civil; um Estado que tenta fazer tudo sem fazer nada bem e sem capacidade de atrair os melhores; um Estado com dificuldades no cumprimento da lei, que precisa de se financiar aumentando os impostos, criando uma evasão fiscal irresistível. Um Estado com uma burocracia que alastra e adquire autoridade própria. Com a ineficiência da Justiça, o crime compensa. É um Estado que distribui ‘benesses’, atribui subsídios e gera corrupção, facilitando o crime organizado. E, uma vez que o crime compensa, os cidadãos desmobilizam. Só os ingénuos cumprem. É ainda um Estado que contribui para o caos, porque cria instituições paralelas. Isso leva a uma sociedade sem iniciativa, em que as pessoas se encostam ao Estado com rendimentos mínimos e os empresários vendem as suas empresas para viverem dos rendimentos. As pessoas desinteressam-se pela cultura, pela arte e pela ciência. Não estou a falar de África: muitos reconhecemos estes sinais na nossa sociedade. Mas todos os valores da História de Portugal e da cultura cristã apontam noutra direcção. Gostaria que lhes prestassem mais atenção". (O Independente)

13 de Abril de 2001: "Portugal é o país da União Europeia com a maior percentagem (22%) de cidadãos a viverem abaixo do limiar da pobreza", sendo aquele que "apresenta a maior percentagem de pessoas que vivem em «persistente pobreza»".
Já então havia "uma elevada proporção da população que depende da assistência social" e "Portugal detém ainda a maior percentagem de jovens entre 18 e 24 anos que abandonam a escola com baixa qualificação (45%), contra 19% nos restantes países comunitários". (Expresso)

30 de Junho de 2001: o procurador-geral-adjunto Pedro Verdelho referia haver "casos estranhos" e que "nunca ninguém foi condenado por manipulação do mercado ou abuso de informação em Portugal mas desde 1991 houve cerca de 40 processos". (Expresso)

2 de Julho de 2001: "Cotadas valem menos 2,4 mil milhões de contos do que no final de 2000" e "a primeira metade deste ano foi dramática para o mercado de capitais português" porque "as empresas cotadas perderam em valor mais de 2,389 mil milhões de contos, ou seja, cerca de 10 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) português. Um número assustador e que mostra bem o período negro que atravessou a praça lisboeta nos primeiros seis meses do ano".
Entre os "factores que contribuíram para o aprofundar da crise da bolsa de Lisboa" falava-se da "má conjuntura económica mundial, que foi sobretudo desencadeada pela desaceleração da economia norte-americana e que rapidamente contagiou a Europa", com "o esvaziar da "bolha" especulativa nos sectores tecnológico e de Internet, a onda de "profit warnings" de grandes empresas multinacionais, gerada pela necessidade de revisão em baixa de resultados, na sequência do arrefecimento das economias mundiais e o agravar da crise na América Latina".
E "as empresas cotadas, que muitas vezes pouca e má informação prestam ao mercado, também têm a sua quota de responsabilidade". (Público)

2 de Agosto de 2001: "Os quatro maiores bancos portugueses [BCP, CGD, BES e BPI] subiram em média, durante o último ano, 32 posições no ranking dos mil maiores bancos do mundo calculado pela publicação do FT Business, The Banker". (Diário Económico)

21 de Agosto de 2001: "Portugal É "Paraíso Fiscal" à Escala Europeia" por estar "entre os primeiros no "abatimento" fiscal sentido pelo sector bancário relativamente a essa taxa nominal de imposto [IRC "ou imposto sobre os lucros"], mesmo atrás da Suíça".
A "Banca Portuguesa Paga Cada Vez Menos Impostos" porque "em 2000, o sector lucrou quase 550 milhões de contos, mas pagou de imposto menos de 68 milhões de contos, o que dá uma taxa efectiva de 12,6 por cento, quando a taxa "oficial" ronda os 35 por cento", segundo o boletim informativo de Junho de 2001 da Associação Portuguesa de Bancos. Era "entendimento consensual na administração fiscal que a banca tem usufruído de condições especiais de tributação".
O ministro Sousa Franco falava que "o peso dos grupos de pressão e a falta de uma maioria parlamentar têm impedido que se encare este problema de frente: a maior parte dos benefícios fiscais é privilégio mais do que incentivo", sendo que "a banca continua a beneficiar de uma folga pública, através de uma reduzida carga fiscal, em nome de uma competitividade internacional exacerbada que tende a reduzir as margens de lucro do sector".
Medina Carreira, ex-ministro das Finanças e especialista em matérias fiscais, referia que os bancos e outras empresas "são assistidos por peritos fiscais muito bons" e, mesmo sem terem "cometido ilegalidades para pagarem menos impostos", conseguiam ter "um somatório de aproveitamentos [...] a partir dos pontos fracos da legislação". (Público)

[11 de Setembro de 2001]

8 de Novembro de 2001: António Borges, economista na Goldman Sachs International, num "diagnóstico negro da bolsa portuguesa" denunciava "corrupção descarada": "Há proliferação de insider trading e não há supervisão do mercado de capitais português".
Sobre o Orçamento de Estado, "«não é para cumprir, como não foi nos anos anteriores». O orçamento «deixou de ter qualquer significado» como instrumento enquadrador das principais opções de política económica, e as suas metas sofrem de irrealidade". (Diário Económico)

10 de Novembro de 2001: "Avaliações Portuguesas de Empresas Cotadas São Pouco Fiáveis" porque "os "research" e recomendações de investimento feitos por entidades nacionais são menos fiáveis do que os das entidades estrangeiras, conclui a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários", com um "enviesamento das recomendações de investimento emitidas por entidades nacionais [...] maior do que o observado para entidades estrangeiras", segundo dados relativos ao período de Janeiro de 1999 a Maio de 2001.
"Nas recomendações feitas por entidades nacionais, 82 por cento são de compra e só 4,5 por cento são de venda, enquanto no caso das entidades estrangeiras as recomendações de compra são de 75,3 por cento e as de venda 8,6 por cento". (Público)

26 de Novembro de 2001: "baixa competitividade é mito" porque "ritmo de crescimento da produtividade portuguesa é hoje um dos mais velozes da União Europeia e tem mantido impressionante regularidade nos últimos 25 anos. O factor trabalho é ainda mais dinâmico, o que parece desmentir um dos mitos recentes da política nacional, segundo o qual tem havido constantes perdas de competitividade na economia", segundo números da Comissão Europeia sobre a competitividade europeia. "Portugal tem sido, no último quarto de século, um dos países da UE com melhor comportamento na competição global". (Diário de Notícias)

10 de Dezembro de 2001: "Portugal em Último no Campeonato dos Pobres da UE": "Olhe-se por onde se quiser olhar, quase todos os indicadores económicos relativos à economia portuguesa registam uma clara deterioração desde 1998, perdendo sobretudo na comparação com os seus congéneres gregos e espanhóis".
"Tudo indica que a economia portuguesa esgotou em 1997-98 as suas capacidades de convergência com a média da UE por se revelar incapaz de "aguentar a pedalada" em matéria de crescimento da oferta. Algo que é indiciado pela comparação entre o PIB efectivo e o PIB potencial, ou seja, entre o que na realidade produzimos e a nossa capacidade produtiva". (Público)

19 de Janeiro de 2002: Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo, assegurava não ter "dúvidas de que há operações de branqueamento de capitais em Portugal". (Expresso)