18 agosto 2006

TECNOSFERA

Carlos Leone: Na edição de hoje da "6ª", revista do Diário de Notícias, Carlos Leone é entrevistado por Pedro Mexia, a propósito da sua tese de doutoramento e publicação em livro [...]
Carlos Leone acha que a crítica, apesar de não ter morrido, perdeu relevância na sociedade. Até porque foi absorvida pelo marketing, que ocupou a função social da mediação no conhecimento das obras de arte e ideias. A segunda ideia liga-se aos blogues, que ele criticou numa dada altura, em especial devido aos comentários anónimos colocados nos textos de um blogue. Agora moderou a sua postura e considera que os blogues são um espaço de criação de liberdade em termos de crítica e de edição.
Notas finais a uma conversa com Pedro Mexia [por Carlos Leone]
1. Como escrevi aqui, ainda antes da entrevista, não penso que a crítica esteja morta ou a morrer, apenas em mudança de funções e, consequentemente, de características. [...]
2. O que liga isto aos blogs é a crença do Pedro Mexia, em grande parte auto-justificativa, em serem eles «o» futuro. O Pedro pensa muito em termos de choque de gerações (que em Portugal é sempre raro e equívoco) e tende a ignorar a realidade de a maioria dos blogs ser puro esgoto. [...]
O problema da blogosfera, escrevi-o no volume 2 de Portugal Extemporâneo e repito-o, é o mesmo de todas as inovações técnicas e das modas que o precederam (e das que lhes vão suceder): reproduzir por novos meios os piores vícios da cultura acrítica, anti-crítica (anti-intelectual) de uma sociedade ainda dominada pelos medos mais ridículos que se pode ter. Nenhuma inovação tecnológica pode vencer isto, não há choque ou subversão que destrua isto, só o trabalho longo, persistente e lúcido.
Muito longe, portanto, das supostas virtudes únicas dos blogs como criadores do futuro. Não, tal como disse no livro, no post e na entrevista, os blogs não são revolução nenhuma, nem com Nietzsche nem com Agostinho da Silva à mistura. São mais do mesmo. Do mesmo de sempre, agora com textos cada vez mais curtos (o digital permitia dispor de mais espaço, ainda se lembram do que se dizia no início?), para gente cuja experiência de escrita e de leitura se faz por mensagens de telemóvel que se escrevem sozinhas.
Não é uma condenação, é uma constatação.

[Neste sentido, um exemplo meu sobre o "esgoto" da blogosfera e d'"os piores vícios da cultura acrítica, anti-crítica (anti-intelectual) de uma sociedade ainda dominada pelos medos mais ridículos": um grupo de investigadores nacionais apresenta várias comunicações numa conferência internacional (com o desta forma irónico tema de "Knowledge Societies for All: Media and Communication Strategies"). Dá-se o caso de ser no Cairo, em Agosto, tempo de férias para alguns. Ao fim de seis dias, segundo contam, aproveitam para se fotografarem em frente a uma pirâmide e partilhar isso com o mundo. Alguém, anónimo claro, questiona esse tipo de disseminação do conhecimento paga pelo Estado (se ela não fosse feita, seria bem mais questionável...) e o aproveitamento da conferência para momentos de férias sem, pelo que diz, saber do que fala e aproveitar para incluir todos os malandros e investigadores que viajam à conta do Estado.
Não se digna pedir um post sobre os resultados na conferência, sobre as intervenções, a disponibilização dos textos apresentados, uma súmula do que por ali aconteceu alegadamente com dinheiros públicos. Não, o que interessa é o esgoto.
"The End"? Não, porque ao fim de duas semanas está-se a discutir as relações Portugal-Brasil. Mentira? A sério, o blesgoto no seu melhor, confira aqui.]

[act.1: O mal dos blogues (1): Mas a verdade é que, no meio de tanta mediocridade blogosférica, acaba por haver uns quantos espaços de absoluta democracia, liberta das amarras de grupos de interesse ou de chefias editoriais, espaços que, de outro modo, não estariam acessíveis ao público que ainda se interessa por mais do que sound-bytes e tops de vendas na sua busca de informação ou cultura.]