13 setembro 2003

ECO-TERROR
Um verdadeiro mimo nos tempos que correm:
Impossível apanhar criminosos da Net: Se amanhã aparecer uma página na Internet a difamar o Presidente da República, todos vão exigir que as autoridades identifiquem o autor do crime, mas a verdade é que a Polícia Judiciária não tem meios para encontrar o responsável. Tudo porque as operadoras de telecomunicações não guardam os registos que estabelecem a origem da página.
O CDS-PP, partido que tem a pasta da Justiça, tem em mãos uma proposta de lei para que as operadoras guardem os dados sobre essas páginas, pelo menos, durante seis meses. Esta já sofreu um primeiro revés ao ser reprovada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (ver caixa*). O parecer negativo da Comissão, embora não sendo impeditivo para o legislador, coloca entraves ao processo, na opinião dos autores da proposta. [...] Fonte ligada à investigação da PJ considera lamentável que não existam mecanismos para permitir encontrar os autores dos crimes dos novos tempos. «A difamação através da Internet é actualmente um crime sem punição, qualquer pessoa pode destruir a vida de outra ficando impune», explica.
Alerta que ganhou maior destaque com o surgimento de um «blog» (Muito Mentiroso) sobre o caso de pedofilia na Casa Pia, com dezenas de referências a pessoas da sociedade portuguesa, que semana a semana vai tendo mais acusações e os visados nada podem fazer. «Até agora não entrou nenhuma queixa na PJ sobre essa página, mas se entrar não podemos fazer nada», disse ao DN a mesma fonte.
Há um argumento que dificulta a legislação nesta área, que é o custo de manutenção dos registos pelos operadores. «É caro, mas também sabemos que há um crime em crescimento, cada vez com mais instrumentos, que fica impune». Ou seja, quando o juiz de instrução determina que deve ser procurada a autoria de uma página, nós vamos ao operador que nos diz não ter registos. Não se preservou a prova, não há forma de encontrar o criminoso».

*Excessos securitários» chumbam
A Comissão Nacional da Protecção de Dados (CNPD), no parecer de 3 de Junho, em resposta à proposta do CDS-PP. considera «preocupantes os excessos securitários que se pretende impor de forma a vigiar, por antecipação e de forma generalizada, todos os cidadãos». E destaca a importância em não se legislar sob a «pressão dos acontecimentos do 11 de Setembro», um dos acontecimentos referidos no Regime Jurídico da Obtenção da Prova Digital Electrónica na internet, nome do projecto-lei. Entende que a proposta restringe as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos, Acrescenta «não se vislumbrar uma necessidade social imperativa que justifique medidas, que se pretendem aplicar por tempo indeterminado, a todas as pessoas e, em alguns casos, independentemente das circunstâncias». E conclui: «Aquilo que começou com o objectivo de servir a luta contra o terrorismo corre o risco de se generalizar como mecanismo de utilização no combate a toda e qualquer criminalidade.»

Vamos por partes:
1) a PJ tem meios para identificar o autor de qualquer página difamatória, tal como teve em Abril de 2002 quando deteve "um grupo que se dedicava à contrafacção de programas informáticos cuja venda era efectuada através da Internet";

2) quanto a "sites" ou blogues como o Muito Mentiroso, "que semana a semana vai tendo mais acusações e os visados nada podem fazer", isto é falso, como explica o criminologista Barra da Costa no Correio da Manhã: mesmo que os visados não apresentem queixa, o Ministério Público pode agir. Só fica impune quem o MP quiser;

2a) "Fonte ligada à investigação da PJ considera lamentável que não existam mecanismos para permitir encontrar os autores dos crimes dos novos tempos. «A difamação através da Internet é actualmente um crime sem punição, qualquer pessoa pode destruir a vida de outra ficando impune», explica."
- Mais uma vez, é falso: só fica impune por inépcia do MP - a PJ sabe como chegar aos dados da entidade que alberga um sítio Web ou blogue;

3) a fonte não identificada da PJ (ou o jornalista?) mistura a dificuldade de acesso aos registos dos operadores nacionais de acesso à Internet com o Muito Mentiroso, blogue albergado num servidor de uma empresa dos Estados Unidos, a Pyra (Google), com um quadro legal diferente do nosso. Não se percebe porquê;

4) "quando o juiz de instrução determina que deve ser procurada a autoria de uma página, nós vamos ao operador que nos diz não ter registos. Não se preservou a prova, não há forma de encontrar o criminoso»".
- Não é bem assim. Esta foi a desculpa para obrigar os operadores de telemóveis a manterem registo das chamadas, processo que decorreu com os operadores a reclamarem por verbas para o fazer e a PJ a dizer que era necessário para impedir crimes. Até hoje, quantos foram evitados por esta técnica? Não se sabe...

5) "O CDS-PP, partido que tem a pasta da Justiça, tem em mãos uma proposta de lei para que as operadoras guardem os dados sobre essas páginas, pelo menos, durante seis meses."
- Não é o CDS-PP mas uma proposta de directiva da Comissão Europeia, forçada pela Europol (onde a PJ tem assento), que pretende um ano de registo de dados, embora deixe aos países o critério de estabelecer o período de tempo.

6) Alguém se preocupa que a CNPD, "em resposta à proposta do CDS-PP, considera «preocupantes os excessos securitários que se pretende impor de forma a vigiar, por antecipação e de forma generalizada, todos os cidadãos»", relativamente a uma proposta que considera "restringe as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos"?
Hello, is anybody out there? E que mais diz a CNPD? «Aquilo que começou com o objectivo de servir a luta contra o terrorismo corre o risco de se generalizar como mecanismo de utilização no combate a toda e qualquer criminalidade.»

7) Percebem agora o problema do aparecimento do Muito Mentiroso? Seja verdade ou mentira o que ele diz, é muito fácil usá-lo como exemplo extremo para aprovar leis extremistas...